Falar de gerações“, o título da crónica que José Tolentino Mendonça escreveu no semanário Expresso de 5 de agosto de 2022, despertou o desafio de associar e estabelecer um certo paralelismo de alguns dos seus trechos ao ambiente das famílias empresárias, onde “gerações” é um elemento crucial à continuidade da empresa familiar e a sucessão um processo de preparação para essa perenidade.

“Para se falar de gerações é necessário que a geração presente se sinta gerada pela anterior, se considere devedora desse engendramento, se assuma como herdeira de um dinamismo que, mesmo na sucessão, mantém uma fundamental linha de continuidade.”

Tolentino Mendonça

 

… a geração presente se sinta gerada pela anterior.

Esta relação “óbvia” é, na grande maioria das vezes, a mais adormecida. Os descendentes parecem esquecer-se de que:

  • Se possuem ações da empresa foi porque os pais as decidiram atribuir. Podiam ter optado por outras alternativas (vender ou doar a terceiros, encerrar, …) mas privilegiaram as relações consanguíneas.
    • É natural?
    • O que farão relativamente aos vossos descendentes?

 

  • Se trabalham na empresa foi porque os pais os decidiram admitir. O mercado é grande e poderiam ter contratado outras pessoas.
    • É natural?
    • O que decidirão quando tiverem de optar entre filhos, primos, …?

 

  • Se lideram a empresa foi porque os acionistas maioritários (pais) os elegeram.
    • É natural?
    • O que farão se os vossos filhos/as recusarem esse papel de liderança?

 

“herdeira de um dinamismo que, mesmo na sucessão, mantém uma fundamental linha de continuidade.”  

[…]

“Maria da Glória Garcia [uma das juristas e intelectuais portuguesas que mais tem colocado o olhar no futuro] dá conta de que, de forma crescente, se tem vindo a consolidar uma sensibilidade para a salvaguarda dos interesses das gerações futuras, e dá o exemplo de Israel, que já criou, inclusive, instituições de representação desse tipo de direitos.”

De forma consciente, ou mesmo inconsciente, impactantes decisões nas empresas familiares e nas famílias empresárias têm presente uma continuidade geracional do negócio em mãos da família.

Se não fosse esta envolvência, a opção poderia ser outra bem distinta.

Para quê investir em plantar um montado de sobreiros para produzir cortiça, quando os primeiros rendimentos só devem ser alcançados num futuro muito longínquo?  (Amorim planta 1750 hectares de montado).

Provavelmente os decisores já não estarão envolvidos na empresa e, com esta deliberação, condicionam os lucros de hoje, dos quais poderiam receber dividendos no imediato, em detrimento de benefícios que surgirão décadas depois e que só beneficiarão os filhos ou netos.

O grande desafio é um diálogo constante e franco que permita a coexistência e um sentimento de efetiva  justiça entre gerações.

Por último, ressalvar a referência a uma das intervenções do Papa Francisco, na visita aos povos primeiros do Canadá, onde sintetizou a sua mensagem em:

“Cuidar, transmitir os cuidados: é a isto, em particular, que são chamados os jovens, apoiados pelo exemplo dos idosos! Cuidar da terra, cuidar das pessoas, cuidar da história.”

 

Este parece e deve ser o grande desígnio das famílias empresárias:

Cuidar da empresa e da família, cuidar dos empregados e dos familiares, cuidar da história, de fazer história e da passagem do legado.

 

A crónica completa de José Tolentino Mendonça merece ser lida na sua totalidade, estando disponível aqui.

 

Tags: , , , , , , , ,