Como superar o ciúme, a inveja e a desconfiança em contextos de sucessão numa empresa familiar e família empresária?

Esta questão é-me dirigida com frequência, aflorando-me à memória, experiências e reflexões partilhadas com a minha extraordinária equipa de colegas, agrupados num “think + do tank” de aprendizagem contínua, autodesafio e crescimento profissional e emocional.

Começar por reconhecer – e não negar – as paixões e as tensões é o primeiro passo para construir soluções.

Frequentemente, existe rivalidade entre irmãos; distância entre pais e filhos e preconceitos quanto a competências, vontades e disposições para assumir o testemunho; diferenças intransponíveis entre primos; histórias do passado que nos afligem; contas pendentes de fecho e várias feridas para curar.

A nossa abordagem a esses desafios antropológicos intemporais, é efetuada em três dimensões que podemos chamar: anatomia, fisiologia, psicologia e, muitas vezes, alargadas à sociologia.

  • A anatomia baseia-se na criação de espaços, instituições e regras de interação e participação e, principalmente, de decisão nas famílias empresárias. No estabelecimento de um quadro institucional conhecido, respeitado e valorizado, em que os diferentes membros da família tenham a oportunidade de se associar, aprender, contribuir, até mesmo criticar, fortalecendo assim uma legitimidade superior às vontades e desejos pessoais.
    É comum refletir-se numa equipa profissional que combina membros da família e partes externas independentes e num conselho de família que considere os elementos relacionais e emocionais e contenha tanto as paixões quanto as tensões inexoráveis.

 

  • A fisiologia refere-se à forma de integração nesses espaços de condições de debate, funcionamento e processos de tomada de decisão. Isso inclui os mecanismos de seleção de novos líderes; de experimentação dos jovens exploradores; e de participação, informação e decisão responsável e respeitosa de quem está mais afastado do negócio.
    Estes últimos não podem e não querem ficar longe da família, nem separados artificialmente do seu património, legado e compromissos de longo prazo. Para isso, os melhores instrumentos são ter um protocolo familiar e delinear de forma clara e profissional as exigências, desafios e requisitos que representa assumir a liderança, bem como o planeamento das etapas para o seu desenvolvimento.

 

  • A psicologia é o aspeto mais sensível que fará com que a sucessão funcione ou se desmorone. Isso implica processos longos e sustentados de geração de apego – propriedade emocional – ao negócio, orgulho pelo esforço daqueles que nos precederam e sentido de compromisso com aquele legado, que não é apenas material, mas também intelectual e reputacional. Esse legado é construído ao longo da vida, começando na infância, idealmente, com assembleias familiares, visitas, práticas e muita dedicação paterna e materna. Isso também pode envolver intervenções terapêuticas, como fazemos com as nossos colegas psicólogas e coachers, para curar feridas; gerar confiança e assumir que respeito, cuidado e empatia vão-se construindo.

 

Às vezes basta reencontrámo-nos como uma “boa família”, longe da perfeição, da intolerância e da falta de aceitação de nós mesmos, tentando emular famílias modelo que só existem no pensamento platónico e não na realidade aristotélica da nossa prosaica natureza humana.
Nesse processo, a chave é elucidar se desejamos “a família em primeiro lugar ou os negócios em primeiro lugar”.

A primeira opção é a matriz do nepotismo, da inveja e do demérito e a anunciada morte dos negócios da família – muito bem expressa pela franqueza direta de Luís XV ao dizer: “après moi, le déluge“, depois de mim nada mais importa.

A segunda reflete o profissionalismo, a vontade de melhorar e a projeção como uma instituição empresarial-familiar sustentável.

Por fim, uma contribuição sociológica aponta para a forma de nos projetarmos e de nos relacionarmos com a organização, as comunidades e o meio envolvente, incluindo outras famílias empresárias. É aqui que a lealdade, o cuidado mútuo, a aprendizagem e o ensino recíprocos assumem tanto valor e justificam o valioso papel desempenhado pelos institutos, associações e redes de empresas familiares nacionais, regionais e internacionais.

Estas três dimensões, com o seu consequente agregado social, articulam-se, combinam-se e potenciam sinergias para valorizar a antropologia das famílias empresárias e a sua consequente criação de valor transgeracional e social.

Gonzalo Jiménez

Gonzalo Jiménez

 

Gonzalo Jiménez Seminario. CEO da Proteus Management, Governance & Effectuation. Professor de Engenharia UC.

Artigo publicado em https://www.poderyliderazgo.cl/, em 2022/01/04, reproduzido com autorização do autor e tradução do António Nogueira da Costa

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